Joseph Mitchell em 1989. (Anne Hall/The New Yorker) |
Na edição da Companhia das Letras, o cineasta João Moreira Salles crava no posfácio: “Em carta à redação, o editor [Willian Shawn] que dedicara 57 anos a publicar uma das revistas mais extraordinárias do século passado escreveu: ‘Como disse um leitor, a New Yorker foi a mais gentil das revistas. Talvez tenha sido também a melhor, mas isso tem muito menos importância’. As palavras se aplicam a Mitchell. Talvez ele tenha sido o melhor de todos, porém o mais importante é que foi o mais gentil. Escreveu com imenso carinho [...]. Escrevia para que as coisas não morressem”.
“Joe Gould é um homenzinho alegre e macilento, conhecido em todas as lanchonetes, tabernas e botecos imundos do Greenwich Village há um quarto de século. Às vezes, ele se gaba de ser o último dos boêmios. ‘Os outros todos caíram fora’, explica. ‘Uns estão na cova, outros no hospício e alguns no ramo publicitário’. Sua vida não é nada fácil; três flagelos o atormentam: falta de tempo, fome e ressaca. [...] Tem 1,62 metro de altura e dificilmente pesa mais que 45 quilos. [...] ‘Nos Estados Unidos, sou a maior autoridade em privação’, garante. ‘Vivo de ar, autoestima, guimba de cigarro, café de caubói, sanduíche de ovo frito e ketchup”.
Joe Gould por Al Hirschfeld (Ilustração: The New Yorker) |
Esse é o início do primeiro perfil sobre Joe Gould que Mitchell publica, em 1942: “O Professor Gaivota”. 22 anos depois, em 1964, o autor publica o segundo e derradeiro: “O Segredo de Joe Gould”.
Em resumo, os dois perfis contam a trajetória de Joseph Gould, boêmio-mendigo de NY, formado em Harvard e que prometia a todos escrever o livro mais extenso de toda a história, “que até o momento conta com mais de 9 milhões de palavras”, A História Oral de Nossa Época. Gould acreditava que a verdadeira história de uma nação se faz por meio das conversas e atitudes cotidianas das pessoas. “Repositório de tagalerice, uma coletânea de disparates, mexericos, embromações, baboseiras, despautérios”, segundo o próprio autor.
O hiato de 22 anos entre as duas publicações revela uma característica bastante inata de Mitchell: a demora para concluir seus artigos. Depois da publicação de “O Segredo de Joe Gould”, em 1964, Joseph Mitchell continuou a ir até a redação da New Yorker todos os dias, batendo sem parar na sua máquina de escrever, e todo mês recebendo seu salário modesto, até 1996, ano de sua morte. Porém, nunca mais publicou nada.
Jornalismo Literário
O Jornalismo Literário é um estilo que une o texto jornalístico à literatura, com o objetivo de produzir reportagens mais profundas, amplas e detalhistas, com uma postura ética e humanizada. Este ramo do jornalismo foge do noticiário superficial, revela um universo que geralmente fica oculto nas entrelinhas das matérias cotidianas e apresenta um ponto de vista pessoal, autoral, sobre a realidade. Assim, pode-se afirmar que o Jornalismo Literário é uma mescla de Jornalismo, Literatura e História, praticado com responsabilidade e princípios morais. Ele pode ser expresso através de livros, filmes, programas de TV, artigos de jornais e revistas, meios virtuais, entre outros.
Esta especialidade é também chamada de literatura não-ficcional, literatura da realidade, jornalismo em profundidade, jornalismo diversional, reportagem-ensaio, jornalismo de autor. A subjetividade que a marca contrapõe-se à extrema objetividade do ‘lead’. Esta modalidade aparece na mídia no século XIX, em solo europeu. Na década de sessenta, no território norte-americano, destaca-se o exercício investigativo de Truman Capote, autor do livro-reportagem “A Sangue Frio”, no qual reconstitui detalhadamente um crime monstruoso ocorrido nos EUA, acentuando o perfil das vítimas e o caráter dos jovens criminosos.
No Brasil, tornou-se famosa a prática exercida pelos jornalistas da Revista Realidade e do Jornal da Tarde, que apostaram em um jornalismo que vai além das aparências e mergulha fundo nos fatos, gerando obras criativas, que exploram o lado autoral de cada jornalista, e ao mesmo tempo exigem destes profissionais o apuro na apresentação de dados minuciosos e a procura do ser humano por trás dos fatos objetivos.
A Revista Realidade foi uma das pioneiras desta modalidade jornalística no Brasil. Nascida em 1966, em pleno Grupo Abril, primava por reportagens muito bem produzidas, vindas à luz através de textos primorosos e atraentes. Ela foi inspirada no movimento corrente nos Estados Unidos entre os anos 60 e 70, o New Journalism, traduzido como Jornalismo Literário. Nomes de destaque brilharam nesta especialidade, além de Capote – Tom Wolfe, Gay Talese, Norman Mailer, Joseph Mitchel, entre outros. Esta prática do texto jornalístico mesclado com elementos da literatura também foi exercida quase involuntariamente por escritores talentosos como Euclides da Cunha, em sua obra-prima “Os Sertões”, João do Rio, jornalista e escritor, e o autor colombiano Gabriel García Márquez.
A liberdade temática propiciada pelo Jornalismo Literário continua a atrair jornalistas e leitores para esta modalidade, principalmente em momentos nos quais as pessoas procuram compreender mais profundamente os fatos ocorridos, ansiosas por vislumbrar as causas dos eventos que as afligem. Assim, em meio a um jornalismo cada vez mais sensacionalista e superficial, ainda viceja esta modalidade jornalística, principalmente na forma de livros, como os publicados pela editora Companhia das Letras, em uma coleção focada justamente no Jornalismo Literário nacional e internacional.
Fonte: Blog Biscoitos Sortidos e Info Escola. / Comentários no próprio texto.
Por Thaís Raposo dos Santos e Giovanna Arruda
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