segunda-feira, 13 de maio de 2013

Joe Gould.

Joe Gould, um "homenzinho alegre e macilento", era figura fácil nos bares mais ordinários do Village durante os anos 40 e 50. Gabava-se de ser o último dos boêmios e a maior autoridade dos EUA em privação: "Vivo de ar, auto-estima, guimba de cigarro, café de caubói, sanduíche de ovo frito e catchup". Sob tintas de ficção, Gould lembraria Pierre Menárd, célebre personagem de Borges, mas o notívago baixinho, com suas roupas invariavelmente grandes demais e seu ensebado portfólio repleto de rabiscos manuscritos, realmente existiu. E foi objeto de dois perfis produzidos pelo jornalista Joseph Mitchell para a revista New Yorker. Tais textos, publicados originalmente com um hiato de 22 anos, estão reunidos no livro "O segredo de Joe Gould", lançado pela editora Companhia das Letras como parte da coleção Jornalismo Literário. 



Por intermédio de uma série de descobertas do próprio Mitchell, o leitor compreende que, apesar de lidar com prática que supõe total transparência - o jornalismo -, no fundo tanto o personagem quanto o autor dos perfis em algum instante vestem máscaras. Mitchell o escutou sóbrio, bêbado, depressivo, radiante, sempre com extrema paciência. Mais como ouvinte, menos como interlocutor. Observou em minúcias o ambiente que o rodeava, desenvolvendo certa intimidade, tentando captar através da topografia uma visão mais completa sobre quem enfim seria Gould. Porém, ante a desconfiança sobre a verdadeira existência da "História oral", absteve-se de desnudá-la.


A interseção de interesses entre Mitchell e Gould dá-se justamente neste anseio. Tanto um quanto o outro, cada qual a seu modo, desejou "escutar o mundo" - e registrá-lo, lutando contra o esquecimento. Após a morte de Gould num hospital psiquiátrico e a veiculação do segundo perfil, Mitchell curiosamente nunca mais publicou mais nada. Findo o misterioso Joe Gould, findo o que por anacrônico lhe era caro, Mitchell preferiu calar-se também.

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